A cada nova temporada, muitas agremiações adotam estratégias arriscadas para aumentar receita e se tornar competitivas. Porém, nem sempre conseguem sucesso
O torcedor acompanha a situação de longe, muitas vezes sem poder fazer nada para ajudar ou impedir que o destino e o futuro dos seus clubes de coração sejam decididos unicamente por dirigentes. Uns até conseguem compreender que a decisão foi a melhor e continuam torcendo, mesmo à distância e se aceitando um outro nome. Outros ficam extremamente contrariados por se sentirem traídos e órfãos do clube pelo qual sempre foram apaixonados. O GloboEsporte.com selecionou alguns casos recentes, uns bem sucedidos, outros não, mas todos tentando se manter vivos dentro do mercado do futebol brasileiro.
sucessos e insucessos
Quando o assunto é fusão de clubes, um dos casos mais lembrados, até pelo êxito que alcançou, é o do Paraná Clube, que teve uma trajetória vitoriosa logo após a sua fundação, em 1989. Fruto da fusão do Colorado com o Pinheiros, dois dos mais tradicionais clubes de Curitiba, o time ganhou nada menos do que seis títulos estaduais nos seus primeiros dez anos de existência, sendo um pentacampeonato (1991, 1993/94/95/96/97). Além disso, em apenas três anos, o Tricolor da Vila Capanema saiu da Terceira Divisão para a elite do Campeonato Brasileiro, conquistando a Série B em 1992.
Na opinião do ex-presidente do Paraná, Ernani Buchmann, a fusão aliada à fase ruim vivida por Coritiba e Atlético-PR na época da fundação é a principal responsável para que a criação do Tricolor paranaense tivesse êxito.
- A grande vantagem da fusão é que os dois estatutos –
Colorado e Pinheiros – foram extintos, enquanto que um outro exclusivo para o
novo clube, que estava surgindo a partir da junção, foi redigido. O Paraná
incorporou o patrimônio dos dois, sobretudo a estrutura do Pinheiros e a
torcida do Colorado. Ao mesmo tempo, Coritiba e Atlético-PR passavam por
momentos difíceis. O Coxa estava na Terceira Divisão, e o Furacão com enormes
dificuldades financeiras.
- Numa cidade maior, a chance de conseguir anunciantes e investidores também aumenta. Cristinápolis tem 18 mil habitantes. Já a população de Estância beira os 100 mil. A verdade é que Cristinápolis não suportou o tamanho do time, que cresceu muito rápido num período de dez anos. Aqui temos o apoio da prefeitura, enquanto que lá não tinha nenhum projeto voltado para o clube. Em Estância, o estádio da cidade (Francão) comporta 14 mil pessoas. Em Cristinápolis, apenas duas mil.
Apesar da distância, a população de Cristinápolis continua torcendo pelo Boca Júnior-SE da mesma forma. Nos dias de jogos, os torcedores pegam a estrada, seja de carro ou de ônibus, e vão para o estádio com bandeiras e vestidos com a camisa do time. Na opinião do dirigente sergipano, o mais difícil é conquistar a simpatia dos torcedores no novo endereço.
- Estamos há três anos na cidade trabalhando diariamente para que a população de Estância aceite e torça cada vez mais pelo time, pois temos metas ambiciosas. Visamos a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro.
Tal tarefa, porém, se torna menos árdua se o time conquista títulos em um curto espaço de tempo. Foi o que aconteceu com o Cene-MS. Fundado em 1999 no município de Jardim, no interior de Mato Grosso do Sul, o clube se mudou em 2002 para a capital Campo Grande. De lá pra cá, o Furacão Amarelo conquistou o Estadual cinco vezes (2002, 2004/05, 2011 e 2013), além de uma Copa Governador do Estado, em 2010. Segundo o presidente, José Rodrigues, agora até os torcedores de Jardim entendem que a mudança foi melhor para o clube.
- Na época, o torcedor de Jardim não gostou da mudança. Até em Campo Grande encontramos resistências, mas após os recentes títulos, o Cene-MS acabou conquistando o estado. Já temos torcida suficiente até para lançar um programa de sócio torcedor. O time é o número um do ranking da CBF em Mato Grosso do Sul. Como se não bastasse, temos um dos maiores CTs do Centro-Oeste, inclusive com um estádio (Olho do Furacão) dentro dele.
Além das conquistas e do aumento do número de torcedores após a ida para a capital, o clube conseguiu também patrocinadores dispostos a investir mais.
- Em Campo Grande temos a oportunidade de captar recursos maiores tanto do poder público como da iniciativa privada. No interior, por sua vez, contamos basicamente com o apoio das prefeituras e de pequenos comerciantes – afirma o dirigente.
Além de beneficiar os clubes envolvidos, a fusão também pode ser positiva para terceiros. Foi o que aconteceu em Alagoas com o Santa Rita após a união com o Corinthians-AL. Campeão da Segunda Divisão local, o time herdou a vaga do Timão da Via Expressa na Copa do Brasil deste ano e ainda favoreceu o Penedense, terceiro colocado da Segundona em 2013 que acabou conseguindo o acesso para a elite do futebol alagoano em 2014. O curioso é que o presidente da Federação Alagoana, Gustavo Feijó, é prefeito de Boca da Mata, cidade onde está a sede do Santa Rita. Além disso, o seu irmão, João Feijó, era o presidente do Corinthians-AL.
futebol é negócio
Boa Esporte, por exemplo, foi o primeiro nome oficial do
Ituiutaba, criado em 1947, mas que profissionalizou o seu futebol em
1998. Ao se transferir para Varginha, em 2011, em busca de melhor infraestrutura,
o clube teve que retomar o nome de origem por conta de uma cláusula existente
no contrato com a prefeitura da nova cidade. Apesar da insatisfação de alguns
torcedores de Ituiutaba, que desejavam a volta do time, a equipe
renovou no final de 2012 a sua permanência em Varginha por quatro anos. Na
ocasião, o presidente do Boa, Roberto Moraes, fez um apelo para que a cidade abraçasse o clube.
- A gente chegou em Varginha para fazer um trabalho a longo
prazo tendo como principal objetivo chegar na Série A do Brasileiro. Agora é
ter tranquilidade e que o torcedor, a cidade e o povo de Varginha possam nos
abraçar.
O Comercial perdeu a vaga na Série A2 e surgiu essa negociação. Hoje em dia, o futebol é negócio
Giovanni Coutinho, ex-gerente de futebol do Votoraty
- Foi um negócio. O Comercial perdeu a vaga na Série A2, aí surgiu essa situação dessa negociação. O Votoraty não disputou a a competição em 2011, e o Comercial herdou a vaga. Na época, alguns jogadores e integrantes da comissão técnica foram para o Comercial. Dois deles ainda permanecem na comissão técnica. Foi uma negociação. Hoje em dia, o futebol é negócio - afirma Giovanni Coutinho, ex-gerente de futebol do Votoraty.
No entanto, mudar de cidade, fazer fusões, aumentar os recursos e melhorar a infraestrutura não significa necessariamente resultados positivos em campo. Em 2013, por exemplo, o Boca Júnior-SE estreou na Primeira Divisão do Sergipano, mas acabou sendo rebaixado.
os arrependidos; barueri e ipatinga
Independente da estratégia escolhida, é preciso de sorte. Muitos conseguem vencer, enquanto outros ficam perdidos sem saber o que fazer ou para onde ir. Há também aqueles que sem alternativa acabam voltando pra casa em busca de um novo recomeço ao lado de quem sempre os acolheram.
O Grêmio Barueri, que chegou a estar entre os melhores times do país, teve um declínio enorme, sobretudo após a mudança de nome e sede para Presidente Prudente em 2011. O objetivo de conquistar mais receitas e conseguir estabilidade em um mercado carente de uma equipe profissional não deu certo por conta da distância e das condições oferecidas. Em meados de 2012, o clube voltou para o local de origem. No ano seguinte, se associou ao Grêmio Osasco, passando a se chamar Grêmio Barueri Osasco. Mas uma série de divergências entre as diretorias provocou o fim da parceria quatro meses depois. Com tantas mudanças, a identidade criada com os torcedores desde a fundação, em 1989, ficou totalmente destruída. Trabalho este, que está sendo refeito pela atual diretoria, que tem como vice-presidente o ex-jogador Edmilson.
- Temos três grandes objetivos neste retorno a Barueri: resgatar a identidade que o clube tinha com a cidade, ajudando na formação de atletas e cidadãos; ter uma equipe competitiva na Série A2 do Paulista para que o torcedor volte a frequentar o estádio; e sensibilizar os empresários sobre os objetivos do Barueri para que o clube possa atrair recursos e melhorar suas finanças – afirma o Diretor Executivo Thadeu Gonçalves.
A palavra planejamento no
futebol é bonita, mas passa por dinheiro
Itair Machado, ex-presidente do Ipatinga
- O time nunca teve torcida direito. Subimos para a Série A, jogávamos com o Flamengo e dava no máximo 5 mil pessoas. Tivemos problemas financeiros, e essa foi a única saída. Infelizmente, a palavra planejamento no futebol é bonita, mas passa por dinheiro. E arrumar grana no interior é muito difícil, por isso parei com o futebol. Em 13 anos fui campeão mineiro, duas vezes vice, semifinalista da Copa do Brasil, vice da Série B, mas não conseguimos dinheiro. O sistema do futebol é para matar os pequenos. Não é possível crescer no futebol brasileiro – opina o ex-presidente do Ipatinga, Itair Machado, responsável pela mudança para Betim.
Agora com Jaider Moreira na presidência, e com o ídolo do Atlético-MG, Reinaldo, à frente do time como técnico, o Ipatinga está de volta às origens em 2014. As dificuldades financeiras persistem, mas a experiência da última temporada ficou como lição. Por conta disso, Itair Machado recomenda que outras equipes não optem por uma mudança tão radical como esta.
- Mesmo se a prefeitura de Betim tivesse apoiado, tivesse honrado os compromissos, não valeria a pena. Um time precisa ter alma, ter raiz e isso não se transfere. Sou a favor de transferir clube, mas se for clube-empresa. Acho que errei pensando que seria melhor para o clube. Depois do exemplo do Barueri, Guaratinguetá e Ipatinga, se outro tentar, é loucura – declara.
os nômades
Com discurso totalmente contrário, o diretor de futebol do
Nacional-MG recomenda tal solução. Amarildo Ribeiro participou da
fundação do
Fabriciano, em 2008, em Coronel Fabriciano. No ano seguinte, junto com
um
grupo de empresários de Nova Serrana, ele comprou o clube e o transferiu
para a
cidade. Em 2013, sem apoio da prefeitura local, a instituição migrou
para
Patos de Minas. Diante da concorrência dos tradicionais URT e Mamoré na
cidade, o time foi para Muriaé e se uniu com o Nacional Atlético
Clube. Hoje, o Nacional-MG usa as cores e a estrutura física do homônimo
de
Muriaé, que tem a diretoria, comissão técnica e jogadores do antigo time
de
Nova Serrana, que estava em Patos de Minas.
No interior, é muito difícil fazer futebol se não tiver
apoio da prefeitura.
Amarildo Ribeiro, Diretor de futebol do Nacional-MG
Em alguns casos, o clube se torna um típico nômade do futebol, trocando de endereço de acordo com o que lhe for mais conveniente ou vantajoso no momento. Exemplo disso é o União-MS. Fundado em 1998, o time já teve como sedes a capital Campo Grande – duas vezes – e as cidades de Inocência e Camapuã, antes de se estabelecer em Dourados, onde está desde 2012. Uma rota de quase 1.000km, que impedia o clube de ganhar identidade e a empatia dos torcedores. Após tantas idas e vindas, a diretoria decidiu promover a fusão com o Inter Flórida, equipe amadora criada em 1992 e que buscava a profissionalização. Uma solução que foi boa para as duas partes, na opinião do presidente do União-MS, Jânio Miguel.
- Como time amador, o Inter Flórida não pode participar de campeonatos oficiais, ao contrário do União-MS, que é filiado à Federação Sul-Mato-Grossense. Por outro lado, o Inter Flórida é importante para o União-MS, pois já tem uma torcida estabelecida na cidade de Dourados, o que ajuda a criar uma identidade. Então, todo mundo sai ganhando com o União Inter Flórida.
Trocar muitas vezes de cidade, independentemente do motivo, não é uma prática que seduz a maioria dos clubes. Prova disso é o Boca Júnior-SE. Mesmo que o time receba uma nova proposta para mudar mais uma vez, o presidente, Gilson Behar, afirma que o clube dificilmente sairá de Estância.
- Vamos continuar na cidade, pois caso contrário corremos o risco de ficar sem identidade. Não digo que uma mudança é impossível, mas é bem difícil. Estamos até montando um centro de treinamento e alojamento pros jogadores no município.
nome da cidade
- Independente de ser Metropolitano, Grêmio Maringá ou simplesmente Maringá, o que o torcedor mais quer é um time da cidade despontando no cenário estadual e nacional.
A história do Bahia de Feira é semelhante. Além de estreitar ainda mais a relação com o torcedor de Feira de Santana, o clube queria deixar de ser tratado como o Bahia genérico, em função do já existente na capital. Então, o nome foi alterado para Esporte Clube Feira de Santana. Apesar da troca já ter sido feita na sede, nos uniformes e até mesmo no site, no Baianão o time ainda será chamado de Bahia de Feira por conta de trâmites burocráticos na CBF, mesmo tendo dado entrada com o pedido de mudança em julho do ano passado.
vale tudo para o clube não acabar
Em nome da paixão pelo time de coração vale tudo. Até mesmo
criar um outro após pedido de afastamento do original, que posteriormente decidiu retomar
suas atividades, dando origem a uma batalha judicial que até agora nenhuma
fusão conseguiu resolver.
O fato é que os dois Operários – Ceov e Empresa – chegaram a se enfrentar duas vezes. Em uma delas, o Operário Empresa teve que jogar de preto, pois o Ceov tinha conseguido na Justiça uma liminar proibindo que o time jogasse com suas cores e escudo. O Ceov acabou conquistando posteriormente uma vaga na Primeira Divisão do Estadual em 2014, enquanto que o Operário Empresa segue na Segundona. Mas o impasse entre ambos permanece indefinido na Justiça.
Na opinião do treinador Eder Taques, que já dirigiu os dois Operários, essa situação não era nem para ter existido. O ideal seria que eles fizessem uma fusão. No entanto, como ambas as diretorias já fizeram investimentos e tomam rumos opostos, embora tenham a mesma origem, esta é uma possibilidade cada vez mais remota.
- Quando o Ceov se licenciou em 2002 foi criado o Operário Futebol Clube, que não era um clube empresa, mas sim, uma empresa para administrar o Ceov. Mas acho que esqueceram de dar baixa no registro do Ceov, que estava licenciado, na Federação e na CBF. Como isso não foi feito, os dois puderam continuar atuando. Pior para o torcedor, que não sabia para qual Operário torcer, sendo que ambos tinham o mesmo uniforme, escudo e hino. O resultado foi este imbróglio, que dura até hoje.
Seja grande ou pequeno, todo clube tem a obrigação de manter em dia os salários dos jogadores e da comissão técnica, dos funcionários, além das despesas com viagens, hospedagem, alimentação, material esportivo e manutenção do local de treinamento. Como só cada um sabe o tamanho do seu ‘aperto’, as estratégias para manter o orçamento equilibrado variam. Não há uma fórmula definida. Ainda é cedo para afirmar que tais práticas serão comuns no futebol brasileiro e atingirão até mesmo os clubes de maior expressão. No entanto, exemplos recentes mostram que estes são procedimentos adotados com cada vez mais frequência, sobretudo pelas equipes de pequeno e médio porte.
Fonte: http://globoesporte.globo.com
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