Professora aposentada teve a fala e os movimentos afetados há 13 anos.
"Podemos dizer que eu cuido dela, mas ela também cuida de mim", diz Ana.
A rotina da professora doutora aposentada da Unicamp Lúcia Kopschitz Xavier Bastos, de 57 anos, mudou completamente há 13 anos após ela sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ela teve a fala e os movimentos afetados e passou quatro meses internada em um hospital, mas nunca perdeu a alegria e a vontade de viver. Apesar das surpresas reservadas pelo destino, Lúcia, que é mãe de dois filhos, afirma que não se sente enfraquecida pela doença e busca seguir a vida superando as dificuldades com o amor e o carinho da família.
Podemos dizer que eu cuido dela, mas ela também cuida de mim. Afinal, ela é minha mãe e isso não muda nunca"
Ana Bastos Caprini, filha
Para executar as tarefas do dia-a-dia que ficaram mais complexas, Lúcia conta com a ajuda dos filhos, especialmente da caçula, a estudante de arquitetura Ana Bastos Caprini, de 23 anos. Ela está sempre presente, auxiliando a mãe com muito carinho, nas atividades mais simples do cotidiano, como se fosse uma espécie de "anjo da guarda".
"É complicado dizer que eu cuido dela e que os papeis se inverteram, porque ela ainda cuida de mim. Mas é claro que eu cuido dela, ela precisa de mim para algumas tarefas que jamais imaginamos que iria precisar. Podemos dizer que eu cuido dela, mas ela também cuida de mim. Afinal, ela é minha mãe e isso não muda nunca", destaca a filha.
Amor em cada olhar
Uma das principais mudanças após o AVC, segundo Ana, aconteceu na comunicação entre mãe e filha. Ela explica que foi preciso criar um vocabulário adaptado aos olhos para que o diálogo fosse possível. "Nós dividimos os alfabeto em quatro linhas, e conforme vamos conversando eu falo as letras de cada linha e ela pisca quando chego na letra correta e olha para cima quando a letra está incorreta", explica.
A estudante conta que quem vê pela primeira vez a conversa entre elas fica impressionado com a agilidade do diálogo, mas para ela a situação já se tornou rotina e faz parte do amor de mãe e filha.
"Eu já não anoto mais as letras, eu faço de cabeça mesmo. E querendo ou não é o jeito que eu me comunico com a minha mãe, tem que ser rápido e ágil. Tem muito amor envolvido, muita paciência (das duas partes) e muito companheirismo", destaca.
'Colocar ordem na casa'
Com esse vocabulário adaptado, Ana conta que a mãe consegue 'colocar ordem na casa' e participar ativamente da rotina da família. "Não é porque ela está numa cadeira de rodas que ela não é mais criativa, bem pelo contrário, até hoje ela inventa mil coisas pra fazermos juntas, além de fazer as melhores festas e almoços que eu já tive. Sim, é ela quem organiza tudo. Eu, as amigas dela e a família damos apenas um suporte", destaca.
"Não é porque ela está numa cadeira de rodas que ela não é mais criativa, pelo contrário, até hoje ela inventa mil coisas pra fazermos juntas"
Ana Bastos Caprini, filha
A estudante pontua também que ela e a mãe sempre foram muito unidas desde antes do AVC e que a criatividade dela marcou sua infância e a de seu irmão Tomás com histórias e enigmas. "Ela sempre foi meu ‘porto seguro’ e sempre a vi como uma grande companheira. Ela era muito criativa, inventava mil coisas pra fazermos juntas, desde piqueniques no parquinho até enigmas para datas especiais", lembra Ana.
No entanto, a filha conta que ver a mãe superando todos as limitações trazidas pelo AVC fez crescer ainda mais a admiração que já nutria por ela desde pequena. "Sem dúvida o carinho e o amor cresceram, mas o que mais cresceu foi a admiração", pontua.
Para Ana, o segredo da mãe para superar os desafios está em sempre sorrir e nunca perder a força de vontade. "Todos passam por momentos difíceis, independente se vivem numa situação inusitada como a nossa ou não, as dificuldades estão no dia a dia de todos e vamos passando por elas, sempre sorrindo e com muita força", afirma.
Sem mexer uma palha
Neste domingo em que se comemora o Dia das Mães, Lúcia fez questão de enviar uma mensagem de força para todas aquelas que, de alguma forma, foram "sacudidas" pelas supresas da vida, contando a própria história, de forma lúdica como sempre fez para os filhos.
"Era uma vez, uma mãe e dois filhos. O primeiro lourinho. Lindo. Extraordinário. Na sua primeira escola tinha um bode e um lago. A mãe olhou o bode e o lago… viu ali possibilidades… O menino foi marrado [empurrado] pelo Bode e entrou no lago… A menina, o segundo filho, era moreninha. Linda. Extraordinária. Acontece que era laranja. E a mãe achava lindo ter uma filha laranja. Na primeira visita ao pediatra ela foi internada. Icterícia. Agora os filhos são grandes. Lindos. Arquitetos. Mirabolantes. Num certo dia a mãe teve um AVC e ficou sem mexer uma palha. Quer dizer, uma palha ela mexe. Se alguém puser a palha na mão dela, ela olha os filhos e na sua cabeça vê uma música dos Beatles: “I look at the floor and I see it needs sweeping while my guitar gentle weeps [Eu olho para o chão e vejo que precisa ser limpo. Enquanto minha guitarra suavemente chora]. Aminha própria mãe, que era muito espirituosa, se dizia combalida pelo destino, eu não entendia bem. Agora entendo, mas não me sinto combalida [injustiçada]", conta Lúcia.
E para todas as mães, que de certa forma, tiveram seus planos alterados pelo destino, ela dedica a música “Moon Shadow”, de Cat Stevens, que fala sobre as perdas e os ganhos da vida e mostra como é possível ultrapassar todos os desafios com amor.
Fonte:http://g1.globo.com
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